EU CORRO
Drauzio Varella, 68
anos, médico
Por Julia Zanolli |
Foto Renato Pizzutto
Revista RUNNER'S
WORLD Brasil
Quando
eu estava prestes a completar 50 anos, um amigo me
disse que naquela idade começava a decadência. Então resolvi fazer alguma coisa
legal para comemorar a data e tive a ideia de fazer uma maratona. Já comecei a
correr pensando nos 42 km.
Pouco
tempo depois, outro amigo me passou um programa de treinos e fui seguindo como podia. No fim daquele ano, corri a Maratona de Nova
York em 4h01. Isso foi em 1993, e desde então já participei dessa prova mais
umas sete ou oito vezes. Também já corri em Chicago, Berlim e Joinville — meu
melhor tempo é de 3h38, em 1994, em Nova York.
A
maratona é minha distância preferida. Ninguém
corre 42 km sem estar preparado, todo mundo ali sabe o que está fazendo, então
existe muito mais respeito. Já participei de alguns revezamentos e provas
menores, mas não gostei. Também fiz a São Silvestre e detestei, achei uma
bagunça.
Treino
duas vezes por semana no Parque do Ibirapuera e nos fins
de semana procuro correr no Minhocão ou no centro da cidade. Aí vario os
trajetos: passeio pela praça da Sé, largo de São Bento, Mercado Municipal. Cada
treino varia entre 15 e 25 km, depende de quanto tempo tenho.
Também
subo os 16 andares do meu prédio duas vezes por semana. Vou pelas escadas e desço pelo elevador, onde aproveito para ir me
alongando. Repito isso entre oito e dez vezes. É puxado, mas me dá um fôlego
danado e com certeza me ajuda a correr melhor.
Se
as pessoas fizessem mais exercício, ficar parado seria menos penoso para o corpo. Quando você é sedentário, você se levanta e logo tem que
se sentar de novo — e aquilo não te descansa. Quando você corre bastante e
senta, é uma sensação muito boa.
Sempre
levo meu tênis quando vou viajar. Tem coisa
mais gostosa do em um dia de congresso você se levantar cedinho para treinar?
Corro 2 horas e depois passo o resto dia sentado, sem culpa, ouvindo as pessoas
falarem sobre os assuntos de que eu mais gosto. É uma delícia.
Para
mim, a corrida é um antidepressivo maravilhoso. Sou muito agitado, faço muitas coisas e a corrida também me ajuda a
relaxar. É o momento em que fico em contato comigo mesmo, vejo minhas
limitações, e isso me deixa mais com o pé no chão. Por isso não corro ouvindo
música e prefiro treinar sozinho.
No
ano passado, fiz a Maratona de Berlim em 4h12. Depois pensei que se tivesse feito 2 minutos a menos teria me
qualificado para Boston. Não quero estabelecer essa meta porque tenho medo de
me frustrar, mas, se este ano eu conseguir fazer uma maratona em menos de 4h10,
posso comemorar os 70 anos correndo em Boston.
Não
tenho nenhum cuidado especial com alimentação. Antes do treino, bebo uma água de coco ou como uma fruta. Depois tomo
café com leite e como pão, azeite e tomate. Não estou convencido de que existe
um benefício real nesses géis e vitaminas, aminoácidos. Durante a maratona só
bebo água, não tomo nem isotônico. Como cortei açúcar da minha alimentação há
34 anos, tenho medo de ficar enjoado e passar mal.
O
exercício só é bom quando ele termina. Durante, é sofrimento. Às vezes você até libera uma endorfina no meio e dá uma sensação boa,
mas o prazer mesmo vem quando você acaba.
Quem
faz atividade física tem um envelhecimento muito mais saudável. Tenho quase 70 e não tomo nenhum remédio, peso 3 kg a mais do que na
época da faculdade. As pessoas dizem: “Você é magro, hein? Que sorte!” Não é
sorte, tenho que suar a camisa todos os dias.
Eu
corro porque estou convencido de que o exercício físico é contra a natureza humana. Precisamos combater essa inércia. Nenhum
animal desperdiça energia, ele gasta sua força para ir atrás de comida e de
sexo ou para fugir de um predador. Com essas três necessidades satisfeitas, ele
deita e fica quieto. Vá a um zoológico para ver se você encontra uma onça
correndo à toa. Ou um gorila se exercitando na barra. Por isso é tão difícil
para a maioria das pessoas fazer atividades físicas.
Um
exemplo disso são meus pacientes. A grande
maioria são mulheres com câncer de mama. Muitas passam por quimioterapia,
perdem o cabelo, têm enjoos, fazem cirurgia para retirar parte do seio. E
enfrentam esse processo com tanta coragem que fico até emocionado. Depois disso
tudo, falo para elas que, se caminharem 40 minutos por dia, cortam pela metade
a chance de morrer de câncer de mama. Esse índice é maior do que o da quimio,
mas menos de 1% das minhas pacientes começam a fazer exercício. Vai contra a
natureza humana.
Muita
gente fala que não tem tempo de fazer exercícios. Dizem que acordam muito cedo para levar os filhos à escola, que
trabalham demais, que têm que cuidar da casa. Antes eu até ficava com
compaixão, mas hoje eu digo: isso é problema seu. Ninguém vai resolver esse
problema para você.
Você
acha que eu tenho vontade de levantar cedo para correr? Não tenho, mas encaro como um trabalho. Se seu chefe disser que a
empresa vai começar um projeto novo e precisa que você esteja lá às 5h30, você
vai estar lá. Você vai se virar, mudar sua rotina e dar um jeito. Por que com
exercício não pode ser assim?
Nós
temos a tendência de jogar a responsabilidade sobre a
nossa saúde nos outros. Em Deus, na cidade, na poluição, no trânsito, no
estresse. Cada um de nós tem que se responsabilizar pelo próprio bem-estar e
encontrar tempo para cuidar do corpo. É uma questão de prioridades.
Se
você não consegue fazer exercício de jeito nenhum, pelo menos tem que ter consciência de que está vivendo errado, que não
está levando em consideração a coisa mais importante que você tem, que é o seu
corpo.
“Este ano pretendo correr as
maratonas do Rio e de Chicago. Se fizer abaixo de 4h10, me qualifico para
Boston”